quinta-feira, 18 de julho de 2013

As Cobras

  Letícia era uma menina gorda. Gorda e anã. Gorda, anã e feia. Ninguém gostava dela, e ela já tinha 23 anos e nunca havia beijado na vida. Pobre Letícia. Ela saia nos bares com suas ''amigas'' para ser a ''amiga de sobra''. Sabia que só era usada para as outras serem destacadas. Ela odiava aquilo. Odiava sua aparência. Ela não queria ir mais para nenhum lugar.
  Claro que para você, que não entende nada da vida da mulher, pensa que seria muito fácil: ela poderia usar saltos altos e emagrecer com uma dieta. O problema é que ela não conseguia emagrecer. Letícia comia muito. Era como drogas para esta. Os saltos não ajudavam: não conseguia usá-los porque seus joelhos ficavam muito doloridos. O médico a proibira. 
  Letícia tentava, mais que tudo, procurar a felicidade. Ela não existia, era apenas um conto de fadas... para ela! Por que as amigas dela... aquelas ''cobras'' conseguiam e ela não? Por que tinha que ser injusto com ela? Por que não poderia ser com alguém que fosse cruel? 
  Como a mulher já sofria de baixo estima, começou a entrar em depressão. Ficava em casa vendo TV. 
  Em um dia cinzento desses, ela estava vendo coisas que os donos antigos da casa deixaram. Livros, livros e mais livros. Nada que pudesse ajuda-la a terminar com os xingamentos dos moleques do bairro. Chamavam-a de Tia Gorda.
  Foi vasculhando a caixa até que achou algo que a surpreendeu: um livro todo preto, com uma caveira desenhada em prata. Abriu o livro, que deveria ser o mais antigo de todos e achou algumas histórias macabras sobre a cidade. Tudo que ela lia era Demônio do dinheiro, Demônio da vida Demônio da... beleza! É, era tudo que ela precisava. Leu o trecho em baixo do nome. Era o ritual para encanta-lo. Não acreditava... será que aquilo existia? Não, não poderia ser verdade... mas e se fosse? Mesmo que seria um ''demônio'' o que teria a perder? Leu o encantamento e decidiu faze-lo. Estava desesperada, precisava mudar aquela má sorte toda.
  O ritual dizia que ela precisava ir até o ponto mais alto da cidade, a noite, trazer velas negras e recitar o poema do certo demônio. Ela o fez e ele apareceu. A aparência dele era como se havia um monte de membros colados juntos e havia mais de cem olhos no seu rosto em formato de coração. Ele não falou com ela, mas era como se dentro do cérebro de Letícia aparecesse uma legenda do que ele supostamente estaria falando. Eles conversaram e, finalmente, ela pediu que fosse aquela mulher magra, alta e linda como sempre sonhara ser. O demônio concordou mas ela teria que trazer, como oferenda, ratos mortos durante três dias. Assim foi feito.
  Na manhã seguinte, Letícia acordou com um bom humor que não tinha há tempos. Ela sentiu que seu corpo mudara. Estava um pouco menos gorda e havia crescido pelo menos cinco centímetros na noite, enquanto dormia.  A mulher jurou consigo mesmo que só sairia quando estivesse bonita o suficiente para sua opinião. Na noite, levou o rato morto para o demônio, que o recebeu feliz. 
  No segundo dia, cortou seu próprio cabelo, já que aprendera sozinha porque não queria ver mais as cabeleireiras falando sobre sua feiura. Passou a tarde inteira cuidando de sua beleza pessoal e descobriu também, espionando os vizinhos, que haveria um baile dali a dois dias. Era a chance perfeita de demonstrar sua nova aparência. Levou o segundo rato morto para o demônio, que estava diferente, com uma estrutura diferente. 
  No terceiro dia, estava linda, mas faltava pouco. Entregou o terceiro rato a noite e viu que agora, a cabeça do demônio, era em formato de cobra e ela se arriscou a perguntar o porque daquilo e ele respondeu:

   "As cobras são minhas filhas, eu sou o senhor das cobras. Se elas não nascerem, eu não vivo".

  Já naquela noite do baile, todos os homens e mulheres jovens e bonitos estavam lá, vestindo seus melhores trajes e falando uns com os outros felizes nas festas. E então... ela apareceu. Letícia estava fantástica. Suas pernas e braços estavam compridos e finos. Seu cabelo negro brilhava e usava maquiagem leve, que se destacava na mulher. Seu vestido era preto e com bordados. Todas as cabeças se viraram para ela. Letícia se virou para suas amigas que a olhavam com pura incredibilidade e até inveja. Uma amiga dela, Susan, disse:
- Como você ficou desse jeito?
  Letícia não pensara em uma explicação. Nunca, jamais poderia falar que foi com a ajuda de um demônio... então o homem mais cobiçado pelas mulheres lhe convidou para dançar. Foi uma música lenta, e eles estavam agarrados. Era como um final feliz, como um conto de fadas...


  Depois do baile, ela saiu com suas amigas para a casa de uma delas. Estava se sentindo meio mal, com dores no corpo. Quando chegou na casa da amiga, já não aguentava mais e se deitou. Não conseguia dormir. O que estava havendo? Gemeu e gritou de dor. Pediu as suas amigas para chamarem algum médico e todas elas foram. Demoraram quinze minutos, vinte, trinta, uma hora e nada. E, como se já não aguentasse mais, algo rasgou a pele de suas mãos, algo que estava saindo de dentro dela. Primeiro a mão esquerda depois a direita e as duas pernas. Haviam ali quatro cobras, com olhos vermelhos a observando. E, antes que morresse de hemorragia, ouviu uma pequena voz sussurrando:
                    
                                                  "Se elas não nascerem, eu não vivo..."

Postado por: Pessoa064

Nota:  No começo da história, as amigas da Letícia foram chamadas de ''cobras''. E, realmente, elas eram. Nunca chamaram nenhum médico nem nada disso.

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